Como qualquer um que faz 18 aninhos, eu queria muito tirar a minha carteira de motorista. Mas, só com 19 que me inscrevi numa escola de direção. A prova teórica e a psicográfica foram tranquilas. Soube que o senhor que me deu aula prática na escola havia falecido anos depois quando refiz algumas aulas. Ele era engraçado. Mas não era grosseiro. Um dia me levou numa rua com 3 vacas. Até hoje não sei que raios de rua era aquela que havia vacas pastando num córrego na cidade de São Paulo. Quase bati o carro em uma das vacas de tão surpresa que fiquei com essa vista.
Apesar de eu fazer aulas a mais para conseguir ir melhor na prova prática, falhei na primeira e só passei aos trancos e barrancos na segunda prova.
O pessoal ali também não era o mais simpático e lembro que na primeira prova a primeira coisa que o homem me falou assim que entrei no carro foi: não vai errar.
Exatamente fiz isso que ele disse: Errei na baliza por puro nervosismo.
Depois de conseguir a minha carteira oficialmente, eu não tinha dinheiro para comprar um carro. Meus pais também não foram os mais incentivadores apesar de terem tentado me dar aulas esporadicamente. Enquanto minha melhor amiga de infância os pais dela faziam ela ir ao supermercado com os carros deles, os meus não se esforçaram tanto para me dar as chaves dos próprios carros. Nem era maldade. Amo os dois. São pais fantásticos, mas estavam com outras coisas na cabeça e eu já era maior de idade.
Quando meu irmão fez 18, meu pai comprou outro carro e deu o antigo para o meu irmão. Eram outros tempos. Mas, quando eu fiz 18, eu ganhei um colar de ouro. Eu amo meu colar. Achei incrível. Também eram fases diferentes de vida. Meu pai estava passando por apertos financeiros quando eu fiz 18 e ele me dar esse colar já era muito para ele. Só que nisso de não dirigir, eu demorei uns dois anos para pegar a carteira definitiva porque não valia a pena pegar antes. Afinal, eu ia dirigir o quê?
Cheguei uma vez a dirigir a picape do pai da minha melhor amiga de infância numa estrada de terra com ele me guiando. Fiquei extremamente admirada com a coragem dele de me emprestar um carro daquele tamanho. Voltei para casa extasiada. Estamos na chácara da família dela e íamos para alguma fazenda… nem me lembro direito. Mas, gravou na minha mente exatamente essa cena de eu dirigindo aquela picape 4x4 com 4 portas numa estrada estreita de terra.
Lembro também que alguns dias a minha mãe tentou me dar aulas. Mas ela ficava mais nervosa do que eu. Um dia, fiz uma brincadeira ameaçando que ia bater no portão da garagem. Eu só tinha 19 para 20 anos. Mas, ela ficou tão nervosa que não tentou mais me dar aula.
Quando finalmente fiz uns 20 e poucos anos, acho que foi um pouco antes de eu adoecer, deveria ter uns 22 anos. Meu pai me deu 10 aulas de volante de presente de Natal e minha mãe me deixava pegar o carro dela para as aulas. Apesar do episódio do portão. Mas, foi só isso. Acho que eles queriam me ajudar, mas não sabiam muito bem como e não queriam ter gastos comigo batendo o carro deles. Lembro que o senhor que me dava aula era insistente. Fez eu subir e parar na ladeira 20x em uma das aulas. Fazia eu ser a garota dos recados, levando até presente para a casa de um sobrinho dele.
Depois dessas aulas, não dirigi muito mais. Até porque eu tive o episódio da trombose e dirigir se tornou a menor das minhas prioridades. Basicamente eu corri risco de vida. Nem queria dirigir. Tive que reconstruir toda a minha autoestima destruída. Quando já estava melhor com mais de 26 anos, meu pai tentou emprestar o carro dele. Mas eu falhei numa ladeira num farol e ele quase teve um treco porque havia um ônibus logo atrás.
Em outro episódio, insisti tanto para dirigir que briguei com a minha mãe. Estávamos no carro dela. Sem paciência ela parou numa ladeira e disse: vai pega o carro. Só que eu sempre fui péssima em ladeira. Simplesmente comecei a chorar copiosamente. Esse dia ficou um pouco traumático na minha mente.
Impressionantemente, o meu irmão me deu algumas aulas com muita paciência. Mas, ele nunca foi a pessoa com mais tempo. Então, foram só umas duas ou três aulas, foi a época que fui melhor. Depois disso esqueci. Nunca mais peguei num carro. Também havia uber e eu finalmente conseguia pagar para voltar de um rolê de uber. Eu também já havia entendido a malha ferroviária de São Paulo e já sabia andar de ônibus por aí. Não sentia tanta necessidade de ter um carro. Meus amigos que dirigiam me davam uma carona e eu podia pagar uma corrida particular uma vez ou outra sem sofrer tanto com o meu orçamento.
Depois que eu e meu marido começamos a alugar para viagens, ele me incentivou a pegar o para um ou outro local. Acho que em uma dessas vezes nem mesmo éramos casados ainda. Ele é bem paciente. Mas eu já estava sem muita esperança e comecei a negar que queria dirigir.
Recentemente após descobrirmos a gravidez, ter um carro se tornou algo primordial. Com um carro é um pouco mais tranquilo. Sem falar que minha gravidez é de alto risco. Então, dá um medo do que me espera por aí. Medo de passar mal de madrugada e termos que ir de táxi ou transporte para um hospital.
Então, compramos um carro a duras pena (leia-se pegamos um empréstimo). Nisso, meu marido vem tentando me fazer entender como dirigir. Ele é amoroso e paciente, mas eu estou muito mais temperamental. Cheguei a chorar depois de ralar o carro na pilastra do estacionamento.
É muito mais complicado você aprender a dirigir quando agora depois de tudo isso tem medo de dirigir. Engraçado que foram as pessoas que me amam que foram sem querer minando a minha coragem com o medo de que eu batesse o carro delas. O carro também não foi minha prioridade. Eu tive que ajudar com outras coisas e não consegui priorizar isso. Sinceramente até então eu nunca ia ter grana pra bancar um carro. Nunca fui de exageros. Nunca gastei demais. Sempre vivi meio no talo. Isso que nunca fui a pessoa que mais saia. Eu fui começar a ir a uma balada ou festa só quando tive dinheiro pra isso. Muito depois dos 20 anos ahaha.
Só que estando grávida parece bem pior. Só de entrar no carro eu quero chorar. Minha mente me diz: você não consegue. Você não consegue. Não consigo sair desse looping e perco a vontade de tentar. Sorte de ter um marido que me apoia. Mas, conforme a minha barriga cresce mais medo eu tenho. Mais fraca eu me sinto. O tempo passa e eu acredito que não sou capaz. Então, eu vou postergando... Pegando esporadicamente no carro, um dia ou outro, nem me lembro... Sem coragem de ser insistente.
É incrível como a gente é capaz de minar as nossas vontades com bloqueios mentais.
Vou continuar tentando… se eu melhorar eu volto para contar.
Tem algo que você também mina com seus próprios pensamentos?